Escritor e político português, nascido em´Agueda, em 1936.
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O armário ou o quarto do português
errante.
Quando abrires o armário tem cuidado
mais que versos falhados cartões melancolia
pode sair de repente o que não esperas
aquela cujo sol de um outro tempo
quando olha para ti ainda te mata.
Por isso tem cuidado: não abras as gavetas
talvez Deus esteja escondido
ao lado do retrato da primeira comunhão.
Não abras: pode soltar-se
o espírito
podem sair os mortos todos
as bruxas o diabo as cartas o destino
e aquela parte da tua vida que não cabe
não cabe em nenhum verso.
E se o bafo soprar?
Não abras
não abras as gavetas.
Pode sair a tua guerra
os aerogramas
as cartas escritas da cadeia
o amor o tempo as emboscadas
as longas noites de interrogatório
e também os duzentos metros livres
uma tarde de glória na Praia das Maçãs.
Este no pódio és tu.
Não queiras ver.
O que passou passou e não passou.
Deixa ficar o sol fechado no armário
o sol e a vida
não só poemas cadernos e retratos
mas também lâminas um pincel de barba
um pente
os pequenos nadas do teu quotidiano
antes do salto.
Tão inúteis agora.
Ninguém regressa à vida interrompida
mesmo que por dentro do armário
bata por vezes um coração.
Tem cuidado ao abri-lo.
Pode sair o que nunca imaginaste
um pedaço de Deus em papéis velhos
uma foto esmaecida
um amor rasgado
sabe-se lá o quê.
Alguém que não conheces
alguém que não sabes quem
alguém que aponta o teu retrato
e de repente diz: Ninguém.
O beijo de judas
Aquele que escreve será traído
um dia algum leitor apontará
a palavra interdita
e o sentido escondido no sentido.
O beijo de Judas está dentro da própria escrita
e aquele que escreve está
perdido. De nada serve
dizer este é o meu vinho este é o meu pão.
O beijo de Judas vai ser dado. Quem escreve
tem uma lança apontada ao coração.
Não se perdoa a dádiva de si
a canção que se canta ou a breve tão breve
alegria de partilhar o corpo e a palavra.
Quem reparou em Getsemani
naquele que não se ria nem se dava?
Já outra vez se levantou e se deteve
alguém vai ser traído agora aqui
seu olhar te designa: Tu és aquele que escreve
e a tua própria mão aponta para ti.
O buraco da agulha
Vou de camelo pelo buraco de uma agulha
vou de camelo e não encontro o reino.
A porta é estreita mas os ricos
estão a comprar passagem e estão a entrar.
Vou de camelo pela oferta e a procura
e há quem pense que o céu também tem preço.
Tens de vir outra vez para dizer
que não pode servir-se a dois senhores.
Vou de camelo pela porta estreita
vou de camelo e não consigo entrar.
Tens de vir outra vez que os fariseus
não nos deixam entrar não nos deixam entrar.
vou de camelo e não encontro o reino.
A porta é estreita mas os ricos
estão a comprar passagem e estão a entrar.
Vou de camelo pela oferta e a procura
e há quem pense que o céu também tem preço.
Tens de vir outra vez para dizer
que não pode servir-se a dois senhores.
Vou de camelo pela porta estreita
vou de camelo e não consigo entrar.
Tens de vir outra vez que os fariseus
não nos deixam entrar não nos deixam entrar.
Maria Madalena
Em sua boca florescem os vocábulos
o leite e o mel inundam suas coxas
ela sabe a ternura e o perdão
consola o justo e o pecador
em seu corpo o corpo se purifica
em seu amor o espírito se redime
em sua perdição está nossa única e santa
salvação.
Beijarei sua carne de inocência
quem nunca amou atire
a primeira pedra
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