PORTUGAL
Ó Portugal, se fosses só três sílabas,
linda vista para o mar,
Minho
verde, Algarve de cal,
jerico rapando o espinhaço da terra,
surdo e
miudinho,
moinho a braços com um vento
testarudo, mas embolado e, afinal,
amigo,
se fosses só o sal, o sol, o sul,
o ladino pardal,
o manso boi
coloquial,
a rechinante sardinha,
a desancada varina,
o plumitivo
ladrilhado de lindos adjectivos,
a muda queixa amendoada
duns olhos
pestanítidos,
se fosses só a cegarrega do estio, dos estilos,
o ferrugento
cão asmático das praias,
o grilo engaiolado, a grila no lábio,
o
calendário na parede, o emblema na lapela,
ó Portugal, se fosses só três
sílabas
de plástico, que era mais barato!
*
Doceiras de Amarante, barristas de Barcelos,
rendeiras de Viana, toureiros
da Golegã,
não há «papo-de-anjo» que seja o meu derriço,
galo que cante a
cores na minha prateleira,
alvura arrendada para o meu
devaneio,
bandarilha que possa enfeitar-me o cachaço.
Portugal: questão
que eu tenho comigo mesmo,
golpe até ao osso, fome sem
entretém,
perdigueiro marrado e sem narizes, sem perdizes,
rocim
engraxado,
feira cabisbaixa,
meu remorso,
meu remorso de todos nós...
Alexandre O'Neill
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